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Sep 17, 2025

fiz o check-out

coloquei as roupas na mochila depois de tomar um banho quente naquela casa de banho partilhada. a minha cabine era só mais uma, dentre várias, e deixei-me ficar de pé. senti a água quente a escorrer pelo meu rosto e pelas minhas costas, a garganta em nó, enquanto a pele queimava em brasa com o calor da água que, desesperadamente, eu esfregava para limpar o suor e o sal.

vesti-me, mais ou menos com pressa, despedi-me da colega de quarto que estava na cama ao lado e com quem troquei algumas conversas na manhã anterior. saí do quarto, deixei o cartão na receção e fiz o check-out. enquanto isso, a porta que dava para a rua estava aberta, no lado oposto ao balcão, com a luz do sol a entrar violentamente pelo vidro. pessoas aleatórias entram e saem da sala. dirigi-me, apressadamente, para a saída e a minha pele começou a arder com o calor.

olhei ao redor, mas não observei. não reparei em ninguém e ninguém reparou em mim. 

estava perdido (estou?). 

no dia anterior, deitado na areia, sem saber para onde iria e para onde fui, senti-me esmagado pelo vazio e pela camada fina de ar que fazia pressão contra o meu corpo, de súbito, já não me reconheço mais. sou o reflexo das minhas escolhas e deixei-me condicionar por tudo o que fiz até aqui. ouvi as ondas e a minha respiração.

entrei na água e nadei. batia os braços, em nado de bruços e em técnica, deixei-me boiar de barriga para cima e pensei se seria má ideia deixar-me ficar.

sobrevivi e, no dia seguinte, estou de mochila às costas, pronto para regressar. olhei para o relógio e ainda faltam algumas horas para o transporte de volta a casa. as horas passaram-se e eu voltei.

sinto falta de coisas simples. sinto falta de deitar a cabeça numa toalha, num dia ensolarado, e ouvir os pássaros num jardim, abraçar as árvores, molhar a cara em água fria e olhar, no espelho, o meu reflexo satisfeito com o que vejo. 

fiz o check-out, mas continuo lá, com a cabeça mais ou menos fora da água, à espera que a maré me leve. estou banhado em sal e luz.

se fosses capaz de olhar para mim e reparar que estou aqui e lá e em todos os lugares e em lugar nenhum. se fosses capaz de abraçar-me com o calor dos braços que queimam como mil sóis. se fosses capaz de ouvir-me onde ninguém mais consegue ouvir. se fosses capaz de regar-me e podar-me.

se fosses capaz. (serei eu capaz?)

mas, naquela tarde, o sol pôs-se e eu continuei a alimentar a esperança de que, no meio disto tudo, ainda há sementes que valem a nossa vida e o tanto que possamos nutri-las. apesar de tudo, não quero, ou não me faz sentido, abrir mão deste grande nós que habita a terra.

(um dia ruim não é uma vida ruim). 

— Lano


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