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Dec 15, 2025

noites quentes de verão
queimam em brasa

o abraço apertado sob a luz do luar
de Évora, fui feliz naquela noite

as garrafas de vinho abertas
as rolhas no chão

bolos no carro depois de um dia cheio
os parabéns cantados
parados no trânsito

imprevisíveis novos ciclos

a falésia ao entardecer
no paraíso

sentei-me à varanda
o oceano de alvor
em ondas de agosto
sob os meus olhos

bêbado, chorei

na esperança de que o álcool
fizesse desaparecer de mim
as palavras ditas
o vazio que tentei preencher

fui para a cama
nos teus braços
sem forças

e agora, meses depois
sento-me nesta livraria
rodeado de histórias
que não as minhas

bebo um vinho
e escrevo

e desta vez choro em palavras
não em lágrimas
secaram

em silêncio

tenho urgência
de que tantas coisas que passaram
passem

e permitam que eu possa
finalmente
não sentir nada

mas eu sinto tudo
e senti sozinho

porque hoje
e ontem
e provavelmente amanhã

olho para as músicas intermináveis
que pairam sem resposta

e que enviam os sentimentos
que já não sei escrever

mas escrevo
e envio músicas

talvez mais um copo de vinho
e mais uma música
e mais um silêncio

observa-me

sou tudo o que posso
tudo o que pude
pouco
e tudo

há algo para mim neste silêncio
que me diga que ainda estás
em algum lugar

que já não posso alcançar

baixaste os braços
as mãos

e em dias como hoje
ainda os procuro

na visão baixa dos meus olhos
não os encontro

os bagels de madrugada
num quarto
que hoje me é estrangeiro

onde adormeces no meu peito
e o mundo lá fora
se silencia

para que eu possa
uma vez mais
ouvir o som
da tua respiração

enquanto a lua lá fora
das luas todas que brilharam
e iluminaram noites escuras
como mil sóis

já não consigo alcançá-la

por isso
ofereço-te esta

lua de papel


Oct 6, 2025


 

Oct 4, 2025












Igor me chamou para fazer um desafio nesse mês de outubro que consiste. basicamente, em focar em uma ou duas coisas importantes e que estão ainda só no campo das ideias para torná-las realidade (ou, pelo menos, tirá-las do papel). Adorei a ideia, até porque preciso encontrar algum propósito na minha vida, seja onde for — na arte, na fotografia, no silêncio — e depois do surto que foi o mês de setembro, acho que é uma boa altura para que eu possa parar e pensar sobre isso, aqui, em voz alta

  • Criar um podcast: sim, isso era para ter acontecido no mês passado, mas por conta da minha saúde mental que não anda das melhores, não dediquei praticamente tempo nenhum pra isso. Já tenho um bloco de notas no telefone com alguns temas, preciso sentar e começar. 
  • Manter um espaço para publicar as minhas fotografias de forma consistente: a fotografia é das únicas atividades que me fazem sentir parte disso (disso, seja lá o que isso for), já que nos últimos meses (e arrisco a dizer anos) não me sinto mais parte de nada. A propósito, tenho um espaço no Unsplash onde costumava publicar um pouco do meu trabalho fotográfico, mas provavelmente vou criar um sub espaço aqui, dentro desse blog, para compartilhar um pouco do que vejo. 

BARREIRAS:

  • Redes sociais e tempo de tela em excesso;
  • Passar pouco tempo na natureza e não sobrar tempo de tédio durante o dia;
  • Consumir muito conteúdo dos mesmos assuntos no YouTube;
  • Faculdade caótica;
  • Vazio e crises existenciais.

O QUE FAZER:
  • Manter a escrita no diário de forma consistente;
  • Mentalizar que as coisas tem um tempo de execução e não me cobrar por perfeição;
  • Meditar mais e trabalhar a minha auto-estima para conseguir criar.


Sep 21, 2025

setembro veio forte como um tornado e eu fui atingido com alguma intensidade; parece que fui deslocado alguns metros de distância do lugar onde pensava estar firme e seguro. desde as notícias do mundo exterior (o genocídio em Gaza, principalmente) que me lembram que a nossa existência dentro do capitalismo é pura mercadoria — essa situação que se perpetua há meses sem conta na Palestina não termina justamente por haver muita gente a lucrar com a morte de milhares de crianças — sinto raiva e vontade de chorar. penso que a nossa luta coletiva não está a fazer efeito (nem na micro nem na macroesfera).

ontem, enquanto fazia uma caminhada noturna pelas ruas de lisboa a ouvir Ruby Haunt (inclusive, fiz toda uma viagem mental enquanto ouvia Headland), fui atravessado por pensamentos que já não são novidade na minha esfera íntima, mas desta vez vieram com mais força. sentei-me no primeiro banco que vi, naquela rua que vai dar à Praça de Touros, observei as pessoas a caminhar e a conversar, a viver as suas vidas, a falar ao telefone apressadamente, e pensei sobre o que estou a fazer aqui. 


de repente lembrei-me do Luca e do enorme sofrimento que ele causou nas pessoas à sua volta quando desistiu. nada se cria, nada se destrói: o sentimento e a dor que antes habitavam o corpo do Luca simplesmente migraram para outros corpos que choraram a sua perda e seguiram viagem, cada um com um fragmento daquilo que antes habitava um corpo só. acho que é isso que significa desistir: entregar a dor que já não cabe em nós para que o mundo, que a causou, agora lide com ela. 

não sinto nada, ao contrário do Luca; por isso não sei se tenho algo a devolver ao universo caso desistisse. e isso, ao mesmo tempo que me mantém aqui, mantém-me apenas vivo.

apenas vivo — já é uma grande coisa. 

em poucas semanas vou fazer 30 anos e decidi escrever uma carta ao meu eu do passado, para que, caso ele a lesse, soubesse que conseguiu muitas coisas que pensava que não ia conseguir. lembrei-o de que, apesar da estagnação e da inércia da vida quotidiana a que chegámos, estamos aqui. disse que precisamos os dois de aprender a lidar com a solidão, porque o meu eu do presente infelizmente não conseguiu cuidar disso por nós — e ela vai chegar (e chegou).

não sei como terminar este texto porque há muitas coisas que eu queria desenvolver sobre solidão e solitude, mas não sinto nada agora; portanto vou publicá-lo mesmo assim. 

sobrevivi a ontem à noite.

— Lano

Sep 17, 2025

coloquei as roupas na mochila depois de tomar um banho quente naquela casa de banho partilhada. a minha cabine era só mais uma, dentre várias, e deixei-me ficar de pé. senti a água quente a escorrer pelo meu rosto e pelas minhas costas, a garganta em nó, enquanto a pele queimava em brasa com o calor da água que, desesperadamente, eu esfregava para limpar o suor e o sal.

vesti-me, mais ou menos com pressa, despedi-me da colega de quarto que estava na cama ao lado e com quem troquei algumas conversas na manhã anterior. saí do quarto, deixei o cartão na receção e fiz o check-out. enquanto isso, a porta que dava para a rua estava aberta, no lado oposto ao balcão, com a luz do sol a entrar violentamente pelo vidro. pessoas aleatórias entram e saem da sala. dirigi-me, apressadamente, para a saída e a minha pele começou a arder com o calor.

olhei ao redor, mas não observei. não reparei em ninguém e ninguém reparou em mim. 

estava perdido (estou?). 

no dia anterior, deitado na areia, sem saber para onde iria e para onde fui, senti-me esmagado pelo vazio e pela camada fina de ar que fazia pressão contra o meu corpo, de súbito, já não me reconheço mais. sou o reflexo das minhas escolhas e deixei-me condicionar por tudo o que fiz até aqui. ouvi as ondas e a minha respiração.

entrei na água e nadei. batia os braços, em nado de bruços e em técnica, deixei-me boiar de barriga para cima e pensei se seria má ideia deixar-me ficar.

sobrevivi e, no dia seguinte, estou de mochila às costas, pronto para regressar. olhei para o relógio e ainda faltam algumas horas para o transporte de volta a casa. as horas passaram-se e eu voltei.

sinto falta de coisas simples. sinto falta de deitar a cabeça numa toalha, num dia ensolarado, e ouvir os pássaros num jardim, abraçar as árvores, molhar a cara em água fria e olhar, no espelho, o meu reflexo satisfeito com o que vejo. 

fiz o check-out, mas continuo lá, com a cabeça mais ou menos fora da água, à espera que a maré me leve. estou banhado em sal e luz.

se fosses capaz de olhar para mim e reparar que estou aqui e lá e em todos os lugares e em lugar nenhum. se fosses capaz de abraçar-me com o calor dos braços que queimam como mil sóis. se fosses capaz de ouvir-me onde ninguém mais consegue ouvir. se fosses capaz de regar-me e podar-me.

se fosses capaz. (serei eu capaz?)

mas, naquela tarde, o sol pôs-se e eu continuei a alimentar a esperança de que, no meio disto tudo, ainda há sementes que valem a nossa vida e o tanto que possamos nutri-las. apesar de tudo, não quero, ou não me faz sentido, abrir mão deste grande nós que habita a terra.

(um dia ruim não é uma vida ruim). 

— Lano


Sep 2, 2025